terça-feira, 3 de julho de 2012

O sono e a morte andam juntos



Por Tamires Santana

Certa vez, a Luz, a mais irradiante de todas da criação divina, resolve presentear o Homem, ser recém-criado por Deus, curioso e que ainda descobria o mundo. Luz gostava do jeito ainda ingênuo do Homem e de como era atencioso com a Natureza; Decide então, demonstrar o seu pequeno carinho e, em uma leve caixinha, embrulhada com penas de pavão e amarrada com cipó de ouro, havia dentro o prazer mais puro que já existiu até então: o ato de dormir.
Deus, vendo todo o carinho que Luz sentia, se comove e, sabiamente, sem que o presenteador e o presenteado soubessem, coloca dentro da caixinha um pequeníssimo embrulho, enrolado com mistério e que abrigava o despertar. Ao ser presenteado, o Homem irradia felicidade por todos os lados, pois está maravilhado e muito agradecido.
As Trevas, imersa na escuridão, atingida pela irradiação da felicidade do Homem e ínvida que só, não gosta nem um pouco de ser incomodada, ainda mais por quem ainda nem ao menos sabia direito pra que veio ao mundo. Ao tomar ciência do sucedido, fica arretado e arruma argumentos o suficiente que inspiram uma tal de vingança, sabe lá do quê e porque.
Como não podia expor toda maldade que o acompanha, precisava ser sutil para não chamar a atenção. Sendo assim, sentou-se embaixo de uma figueira e, após séculos arquitetando, risca com um graveto todo o plano maquiavélico na terra e percebe que precisaria de ajuda.
Caminha sete anos pelos desertos até encontrar Sopro, irmão mais novo de Brisa, filho da Vida e que há tempos reclamava a muitos daquelas áreas secas que desejava melhorar de função. Sopro era ajudante geral da Natureza e sua função era movimentar, balançar e agitar coisa ou outra esteja presente no fogo, na terra, na água ou no ar.  Malandramente, Trevas fala tudo o que Sopro desejava ouvir e, como a nova função de nada atrapalharia seus serviços atuais, tratou logo de travar acordo com Trevas.
Um dia, enquanto Homem se deleitava com o presente dado por Luz e Deus, Trevas aparece em um sonho, vestido de reflexo, envolvendo o Homem com a sua própria imagem. Foi quando lhe confiou à palavra contando que receberia um segundo presente, desta vez, bem mais interessante e escolhido direto por Deus, único e poderoso que só Ele. O homem, curioso como sempre, pergunta onde e quando se depararia com tamanha divindade. Trevas responde que tudo virá como um sopro, manso e fresco.
Acordado e maravilhado, o Homem anseia tal momento. O tempo passa e quando menos espera, um lindo embrulho aparece. O Homem se apressa ao abri-lo e ao tentar levanta-lo, sente-o extremamente pesado e gélido. Intrigado, se pergunta o porquê de tamanho peso num pacote tão pequeno. Coisas de Deus, pensou ele. Delicadamente começa a desenrolar até que antes de desatar o último laço, se depara com uma sensação de medo. Sopro, que a essas alturas tudo observava e estava escondido, o atinge com um bocado de coragem, fazendo o Homem seguir adiante.
Ao abrir, vê algo extremamente negro e nunca visto antes, nem mesmo parecido. Por mais que tentasse tirar, não conseguia. Foi quando Sopro se apresenta e pergunta se deseja sua ajuda. Lembrando-se do sonho que tivera certa vez, aceita. Sopro assopra o negro funesto no Homem, o que o mata instantaneamente. O plano com perfeição foi efetuado. Homem morreu antes da chegada do Tempo, satisfazendo os caprichos de Trevas.
Deus, chegando de mais um dia de criação, descobre a façanha de Trevas e Sopro e, antes mesmo de pensar em puni-los por tamanha inconsequência, convoca a presença imediata de Vida e seu filho Sopro, este ciente de seus atos, fica apreensivo com o que poderia vir acontecer. Após ouvir calmamente as queixas de Sopro sobre suas funções e sob o argumento de que o sono e a morte andam junto, Deus o perdoa.
Deus leva o Homem para o alto da montanha mais alta e o divide em duas partes. Com a ajuda de Luz, cria o espírito e o guarda na primeira parte do Homem. Designa à Vida a responsabilidade em guiar o espírito do Homem para a Eternidade. Já a segunda, recria o corpo mortal, agora um pouco mais forte e com alguns defeitos, pois só assim poderá fortalecer-se ao buscar a Perfeição. Deixa a cargo de Sopro direcionar o corpo mortal para as boas ações, sob a condição de que não poderia interferir nas escolhas do Homem, nem contar sobre o futuro, apenas adverti-lo sobre uma coisa ou outra. Em caso de dúvidas, tanto Vida quanto Sopro poderia procurar os Anjos, pois estes respondem por Deus nos dias que estiver fora para assuntos emergenciais.
Com Trevas, Deus teve uma séria conversa entre pai e filho e clamou para que ele nunca mais fizesse o que fez. Mandou-o de volta para a escuridão, que a essa altura, sem comando algum, já estava mais do que um caos. Confiou-lhe o legado em continuar o trato com Sopro, mas de uma forma diferente.
Documentado e autenticado pelos Anjos, a segunda parte do Homem, ou seja, o corpo mortal, também seria de responsabilidade das Trevas, a depender, é claro, dos atos do Homem ainda em existência e do desempenho do Tempo, seu irmão mais velho que diferente de Trevas, era comprometido e dedicado com as coisas da Criação. Caso não fosse de merecimento do Homem, Trevas e Sopro de nada poderiam fazer. Ficaria feliz se soubesse como é, tanto com a nova função, quanto com o nome que ganhou. A partir daquele momento, Trevas se chamaria Morte.
Sacramentado perante Deus e os Anjos, os sócios Sopro e Trevas registram o nome da nova sociedade: Sopro da Morte Sociedade Anônima.